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24/05/2024

Quando a água baixar, o que fica além do barro?

Nosso Estado está vivendo a maior catástrofe climática da sua história, o nome Rio Grande do Sul, nunca fez tanto sentido.

Algo parecido ocorreu em maio de 1941, quando o Guaíba registrou 4,76 metros de elevação no nível da água — o que tinha sido, até o início de maio de 2024, a maior referência de tragédia ligada a um desastre natural em Porto Alegre. Segundo os relatos da época, foram 22 dias de chuvas naquele mês e a cidade ficou tomada pela água por mais de 30 dias.

Foram registrados 70 mil desabrigados, o que era referente a um quarto da população na época.

Já os números da Defesa Civil de agora, contabilizam que aproximadamente 615 mil pessoas foram atingidas, sendo 538,2 mil desalojados (em casas de parentes ou amigos) e outros 77,4 mil em abrigos, mais de 90% dos municípios do estado foram atingidos pela chuva, sendo 450 das 497 cidades afetadas.

Mas em meio a números que nos surpreendem, imagens, pessoas e notícias nos desestabilizam, diariamente.

Imagens de histórias de vida e prejuízos materiais que literalmente foram levados pela água.

Imagens de pessoas, assoladas pelas enchentes e pela desigualdade social, de gênero e cor que insiste em se destacar no nosso País, desigualdades essa, agora vista de perto e em espaços menores que nos permitem visualizá-las melhor, elas estão nos abrigos, voluntários e oficiais, por todo o nosso estado, retratando os problemas das ruas, só que agora dentro um espaço quadrado e com colchões espalhados pelo chão.

Em que pese a tragédia não tenha poupado nenhuma classificação social, não se pode fechar os olhos aos mais afetados.

Há cidades que foram levadas, quase que por inteiro, outras com tão poucos resquícios da chuva, que fica até difícil assimilar o estrago todo.

A questão é, que se não mostrarmos agora, nosso valor, nossa constância "nesta ímpia e injusta guerra", não perdem só os vitimados pela enchente, perdemos todos nós, com aumento dos índices de miserabilidade, crianças e adolescentes fora das escolas, desigualdade, desemprego, desenvolvimento, consequentemente, aumento da criminalidade, não só pela falta de oportunidades, mas como meio, inclusive de subsistência.

A solidariedade e a humanidade estão lindas demais, vêm de todos os cantos do Estado e do País, temos o povo pelo povo, alguns movimentos do Poder Público, Instituições, Iniciativa Privada e um amor pela nossa terra que talvez nem nós sabíamos que era tão grande.

A maldade não vou enfatizar, porque ela nunca ganhou do bem, apenas fiquemos atentos.

Mas para quando a água baixar, o que fica além do barro? Quem ainda não parou para pensar, convido a tirar um tempo para fazer esse exercício de reflexão que pode ser breve, mas com certeza não será simples.

Serão incontáveis prejuízos materiais para pessoas físicas, jurídicas, de direito público ou privado, serão ciclos de reconstrução que devemos nos atentar e participar a medida do possível, serão retrocessos, serão avanços a passos lentos, teremos medo da chuva, enfim, serão incontáveis reflexos em TODOS nós, quer tenhamos sido atingidos diretamente ou não.

Então me permitam conclamar para que quando o barro for limpo, a gente não esqueça de tudo que estamos vendo ou vivendo e sigamos, por tanto tempo, quanto for necessário, mostrando a força do povo gaúcho, incentivando nossos produtos e serviços, destacando a importância da união das pessoas, o amor e empatia pelo próximo, exigindo serviços públicos eficientes, prestação jurisdicional tão rápida quantos as angústias da sociedade, estejamos atentos a responsabilidade social e ambiental de cada um, políticas públicas com visão de um presente digno, mas também por um futuro melhor e tantas outras questões.

Que o barro que uma vez já moldou o homem, segundo a Bíblia e para quem nela acredita, mais uma vez nos molde mais humanos e, que de todos os importantes poderes previstos e estruturados na nossa Constituição Federal, não esqueçamos de um dos principais, que é o poder de ser e da coletividade, só assim nós vamos reconstruir o nosso Estado.


Texto: Maria Helena Petry - Coordenadora do curso de Direito da Faculdade CNEC Gravataí

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